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Cartórios vão corrigir 434 certidões de óbitos de vítimas da ditadura e incluir responsabilidade do Estado; entenda

Registros passarão a constar como causa ‘morte não natural e violenta’

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, nesta terça-feira, uma resolução que permitirá a retificação das causas de óbito de 434 brasileiros mortos ou desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985). Os registros passarão a constar como “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”. Essa informação constará nos documentos das vítimas de peseguição política reconhecidas pela Comissão Nacional da Verdade em 2014.

Embora as atividades do colegiado tenham se encerrado há uma década, só agora a medida está sendo implementada. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, o país ainda deve a retificação dos assentamentos de óbito de 404 mortos e desaparecidos. No entanto, a obrigação só foi cumprida em 38 casos, segundo o ex-ministro Nilmário Miranda.

A presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, procuradora da República Eugênia Gonzaga, lembrou que esteve presente na identificação de corpos de mortos pela ditadura e que as retificações vêm sendo feitas desde 2017, de maneira administrativa. Dos 434 casos de mortes e desaparecimentos confirmados pela comissão, foi possível concluir a retificação de apenas dez assentos de óbito administrativamente.

Ainda assim, nesses documentos, não constavam a data e a causa da morte — apenas a observação sobre a Lei n. 9.140/1995, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988.

Gustavo Renato Fiscarelli, presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen/BR), destacou o impacto histórico da resolução, que reafirma o papel do Estado brasileiro no reconhecimento e reparação de violações de direitos humanos cometidas na ditadura.

— A Resolução representa mais um marco importante no reconhecimento do Estado brasileiro das violações de direitos cometidas na Ditadura, assim como no dever de reparação às famílias dos desaparecidos. O Registro Civil do Brasil se orgulha em poder ser instrumento dessa reconstrução histórica — disse Fiscarelli.

Após as alterações, as certidões serão enviadas digitalmente ao Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais (ON-RCPN), que as encaminhará à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos para entrega às famílias, preferencialmente em cerimônias solenes.

Caso os familiares não sejam localizados, as certidões integrarão acervos em museus ou espaços de memória. Além disso, familiares ou entidades ligadas ao tema poderão requerer novas alterações ou registros de óbitos, mesmo nos casos não incluídos no relatório da Comissão Nacional da Verdade.

Nos casos em que não há registro devido ao desaparecimento dos corpos, o processo será encaminhado aos cartórios competentes, de acordo com o local de falecimento, domicílio ou mesmo o local de nascimento da pessoa, conforme consta no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade.

Numa das cenas mais fortes do filme “Ainda estou aqui”, Eunice Paiva ergue uma certidão de óbito como se fosse um troféu. A ditadura havia matado seu marido, o deputado Rubens Paiva, em 1971. Ela só conseguiu o documento em 1996, depois de 25 anos de espera. “O não reconhecimento da morte de Rubens Paiva foi a forma de tortura mais violenta a que eles poderiam submeter nossa família”, disse Eunice, interpretada por Fernanda Torres no longa-metragem. Até hoje, centenas de famílias vivem uma angústia parecida.

— É um acerto de contas legítimo com o passado — afirmou o presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso

Fonte: O Globo

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