O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) participou como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) julgada, nesta quarta-feira (31), acerca da concorrência sucessória entre cônjuge e companheiro, no Supremo Tribunal Federal (STF). Com sete votos favoráveis, os ministros decidiram pela inconstitucionalidade do artigo 1.790, que, conferido pelo Código Civil, trata de forma diferenciada os cônjuges e os companheiros no que diz respeito à sucessão hereditária. Com pedido de vista de Dias Toffoli, ainda estão pendentes os votos de Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. O IBDFAM defende a inconstitucionalidade do artigo.
Diante do resultado obtido nesta quarta-feira, apesar do pedido de vista de Dias Toffoli, Ana Luíza Maia Nevares, vice-presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do IBDFAM, que proferiu sustentação oral representando o instituto, considera definitiva a decisão, uma vez que a maioria dos ministros já se posicionou favoravelmente à inconstitucionalidade do artigo 1.790. Para ela, o impacto da decisão é “enorme”, pois irá repercutir de forma bastante contundente, trazendo maior segurança no sentido de previsibilidade dos julgamentos.
Quanto aos casos apreciados anteriormente pelo Poder Judiciário, Nevares explica que “não cabem recursos. Segundo o que foi sugerido pelo ministro (Luís Roberto) Barroso, essa decisão será aplicada somente às partilhas que ainda não foram estabelecidas. A modulação não atinge essa partilha e as estruturas já estabelecidas”, conclui.
De acordo com a norma, a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, obedecendo quatro condições: a primeira delas diz respeito à concorrência com filhos comuns, quando o companheiro terá direito a uma cota equivalente à que, por lei, for atribuída ao filho; no segundo caso, se concorrer com descendentes só do autor da herança, terá a metade do que couber a cada um deles; a terceira condição diz respeito aos outros parentes sucessíveis, quando o companheiro terá direito a um terço da herança; por último, não havendo parentes sucessíveis, o companheiro terá direito à totalidade da herança.
RETRÓGRADO E PRECONCEITUOSO
Para a professora Giselda Hironaka, diretora nacional do IBDFAM, o histórico do artigo 1.790 já induz ao entendimento de que ele carrega consigo inúmeros problemas, eis que só foi inserido no texto do Projeto de Código Civil com a Emenda nº 358, apresentada pelo senador Nelson Carneiro.
Segundo ela, antes dele, nada constava a respeito da sucessão do companheiro, e a escolha do habitat legislativo para a sua inserção foi extremamente desastrosa, uma vez que não foi acolhido pelo dispositivo que abrigou a ordem de vocação hereditária, mas restou instalado fora do título destinado à Sucessão Legítima, no título destinado à Sucessão em Geral, no Capítulo das Disposições Gerais.
“O artigo 1.790 é de feição extremamente retrógrada e preconceituosa, e a vigorosa maioria dos pensadores, juristas e aplicadores do direito tem registrado com todas as letras que o dispositivo é inconstitucional, exatamente porque trata desigualmente situações familiares que foram equalizadas pela ordem constitucional, como é o caso das entidades familiares oriundas do casamento e da união estável”, argumenta.
No mesmo sentido, Zeno Veloso esclarece que o “art. 1.790 merece censura e crítica severa porque é deficiente e falho, em substância. Significa um retrocesso evidente, representa um verdadeiro equívoco”, chegando à conclusão de que “a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e a do companheiro sobrevivente, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, fere e maltrata, na letra e no espírito, os fundamentos constitucionais”.
Em outras palavras, a questão debatida pelo Supremo, aos olhos da Constituição, diz respeito à atribuição de direitos sucessórios diversos ao casamento e à união estável. O IBDFAM considera inconstitucional o trato diferenciado em matéria sucessória entre cônjuge e companheiro e requereu ao STF que proclame o reconhecimento jurídico da equiparação entre cônjuge e companheiro em matéria sucessória, “pois não há família de segunda classe”, completa Veloso.
“O tema da concorrência sucessória entre cônjuge ou companheiro e demais herdeiros do falecido, especialmente os descendentes e colaterais, tem causado muitas provocações, perturbações, dúvidas, reflexões, desafios e tentativas – esta é a verdade – desde a promulgação do Código Civil até os dias de hoje”, diz a professora Giselda Hironaka.
Ela explica, ainda, que o Código Civil deixou à deriva inúmeros aspectos corriqueiros na vida comum (no que diz respeito ao regramento sucessório), sem uma indicação mais precisa a respeito do que exatamente fazer no caso real e específico. “Os ‘vazios’ encontráveis no tecido legal do Código, e que não permitem se possa ter ou acolher uma posição terminativa para todos os casos semelhantes, acarretou, nestes quase treze anos de sua vigência, um tal desconforto que é possível dizer que injustiças foram praticadas, porque se julgou diferentemente casos assemelhados”, afirma.
Para ela, as diversas decisões dos tribunais sobre a matéria representaram um verdadeiro “caos jurisprudencial”. O tema é polêmico, afirma Giselda, “ainda que determinados pontos – os mais fortes, importantes, prementes e urgentes – sejam tratados pela vigorosa maioria dos sucessionistas de maneira muito próxima, isto é, a partir de reflexões e conclusões bastante assemelhadas e coerentes. Mas, como sempre, no direito, há vozes que correm em sentido inverso, às vezes sem tanto cuidado, cautela, ou acerto teórico”.
A decisão do STF afetará, por repercussão geral, todos os casos assemelhados. “A decisão da Suprema Corte, quer declare a inconstitucionalidade do dispositivo legal em apreço, quer o julgue válido e, portanto, apto a produzir seus efeitos, fará com que a decisão ultrapasse o limite do caso concreto que ali se julga, para alcançar o interesse de toda a coletividade. É de se esperar, portanto, que prevaleça o bom senso e o bom direito”, conclui.
Fonte: Ibdfam
Site: Recivil (01/09/2016)